segunda-feira, 16 de novembro de 2009

texto para ator e atriz

desenho: Sandra Nunes


DAS HORAS CRUAS

de Ruy Jobim Neto


Personagens:

AMAURI, homem maduro
MALU, jovem garota


Época: atual
Local: uma metrópole

A ação se passa no atelier do artista, enquanto ele a desenha.
Um atelier sem limites entre o hoje e o vento. O som é de Chet Baker.
....

MALU
A malha fina entre o teu desejo e a minha pele te remete aos teus sonhos.

AMAURI
Eu não desenho sonhos.

MALU
Até ontem. Hoje você é o escritor das formas. Me seduz e me cobre de vontade.

AMAURI
Você seduz.

MALU
Eu me atenho, apenas.

AMAURI
Você fez amor comigo.

MALU
Ainda não. Eu pulei para a carne de tua realidade, só isso. Eu permiti duas ou três iniciativas. Duas ou três. Você bem que soube aproveitar.

AMAURI
E agora te desenho.

MALU
E agora me desenha. Mas eu não paro, você sabe.

AMAURI
Isso. Anda.

MALU
Teu universo criativo.

AMAURI
Anda por entre as florestas.

MALU
Eu caminho por entre as velas acesas.

AMAURI
No meio da videira.

MALU
A videira.

AMAURI
Te posso sentir assim, meio cabernet.

MALU
Eu desando para você. Faço pose e admito que você me esquadrinhe. Eu me sinto assim, uma Mona Lisa.

AMAURI
Gioconda.

MALU
Abaporu.

AMAURI
Nascimento de Vênus.

MALU
Sou Rosa Luxemburgo e sou Pagu.

AMAURI
Pode se vestir agora. O vento não lhe cai bem.

MALU
Sou Olga e sou Anne Frank.

AMAURI
(joga o roupão para ela) Amsterdam é triste.

MALU
É nada.

AMAURI
Chet Baker morreu lá. Pulou.

MALU
Ao lado do sax. Ninguém morre triste em Amsterdam ao lado de um sax.

AMAURI
Veste.

MALU
Eu sigo até você. Olho, me insinuo, te deixo, te engano.

AMAURI
Eu vou te levar a Amsterdam.

MALU
Não. Se você me levar até lá, vai me mostrar onde ele morreu. Não quero.

AMAURI
Eu te quero.

MALU
Eu sei. Por isso te provoco. Por isso me provoco. (veste-se) Minha nudez nada mais é do que a tua imaginação jogando a toalha.

AMAURI
Uma luta?

MALU
Não. É um decolar de emoções. Eu sou mulher. Conheço isso desde que me dou por gente.

AMAURI
Me atiça.

MALU
Isso é uma ordem ou uma afirmação?

AMAURI
Você é Cleópatra.

MALU
Então me morde e me mata.

AMAURI
Já pensou em morrer?

MALU
O tempo todo. Quando não penso nisso, é por que eu tô te seduzindo.

AMAURI
Você é o meu sax?

MALU
Não.

AMAURI
O que é você, então?

MALU
Partitura. A música que eu apresento tem pizzicatos e codas.

AMAURI
Um acorde?

MALU
Não acorde. Deixa que eu mesma te absorva.

AMAURI
Quer um vinho?

MALU
Quero você, antes de tudo. Você perturba a sua própria paz. Você me traz aqui, me atrai, me desperta, me incomoda. Faz tudo o que eu quero. Faz mais do que isso. Me atrapalha.

AMAURI
Meia taça?

MALU
O teu brinquedo não cansa. Quero você nu.

AMAURI
(olha ela pelo vidro da taça, segue como se a filmasse com a taça de vinho) O aroma do cabernet atiça todas as sombras.

MALU
A cidade lá fora não sabe da gente. Você não sabe da gente. Tudo o que você tem sou eu e essa taça. Agora me engole, me degusta, me cheira. Me bebe.

AMAURI
Malu.

MALU
Sem nomes. Lá fora sou Maria Lúcia. Aqui não sou nada além de um vestígio de teu lápis. Fica nu pra mim.

AMAURI
Sou Amauri, mas você me quer outro.

MALU
Nada de nomes. Não sei quem somos. (para a platéia, com foco sobre ela) Dia desses, ele me quis confidente. Fui. Noutro dia, ele me despiu eu estando louca. Uma louca, ele disse. Daquelas que se arrebentam nas pedras. Lembrei logo de Camille. Era a última das loucas. Todas as mãos e os pés são de Camille. Ele pretendeu que nós dois nos amássemos no brilho da lua. Eu falei que não tinha lua, que a lua era uma abstração. Eu me apaixonei, mas não podia demonstrar. O homem maduro te deixa impune, você dá a ele a licença poética para ele te ensinar o que não é ensinável. Eu nem sei se essa palavra existe.

AMAURI
(foco nele) Em Amsterdam não existe.

MALU
(ainda, para a platéia) Eu queria ser Anne Frank e escrever o diário. (apaga o foco dele) Quem sabe eu escreveria até dentro da câmara de gás. Eu sou bem louca para essas coisas. Faço um solilóquio, mas são meus pensamentos que me deixam sem fôlego. Uma guria, disse ele. Uma jovem que cai ao chão toda vez que o tiro corre solto. A bala perdida é o amor que te devora. Ela te penetra as carnes, os músculos, te deixa vulnerável.

AMAURI
(foco nele) Uma guria.

MALU
O homem maduro nada mais é do que a lua. Tem jeito de noite, é abstração. (apaga o foco dele) Faço o solilóquio e percebo que tudo em minha volta se resolve em cantos e velas que quase acendem. Quando a bala te alcança, ela não mede esforços. Ela te agride, te maltrata, te lambuza de medo e noites lindas. Aí vem o dia e te conta histórias. E então você não sabe mais em quem acreditar.

(luz geral retorna)

AMAURI
Até ontem eu tinha um merlot. Comprei uns queijos, mas não tinha a combinação certa.

MALU
Você está me contando isso por quê?

AMAURI
Quero justificar a falta sua ontem à noite, por isso eu tinha a combinação errada.

MALU
E hoje é a certa?

(encerra a música)

AMAURI
O que eu aprendi com você?

MALU
Que não é tão chato assim morrer em Amsterdam com um saxofone ao lado.

AMAURI
Eu disse para mim que fazendo amor contigo hoje seria sufocante.

MALU
Gostei.

AMAURI
Que eu te mataria aos poucos em meus traços, e não deixaria pedra sobre pedra daquilo que eu sei de ti.

MALU
Agora fica nu para mim.

AMAURI
Eu sonhei te beijando, você colorida de todos os matizes, você impregnada de grafite e borracha, você consumida pela ânsia de me deitar, de beijar meu peito, minha pele, de me colocar miserável.

MALU
Você me mataria?

AMAURI
Penso que não.

MALU
E admite que eu suma de sua vida? Que eu brinque de você e pose para teus olhos que não me vêem mais? Que eu partilhe sua perda de gênero homem, quando ganha o gênero hominídeo?

AMAURI
(foco apenas nele, ele para a platéia) Eu não sou Rodin nem sou Botero. Deixo as tintas aguadas para Monet. Meu pontilhismo me alcança à noite, sou dor e é só. A mulher marca presença ao som de Chet Baker só porque Chet Baker pede isso, a música meio que embala um pedido.

MALU
(foco nela) Ei, garçom. Chet Baker. (começa outra faixa de Chet Baker)

AMAURI
O amor que você faz com a garota dos teus delírios é quem leva teu lápis. À noite, na sua cama vazia, a música perpassa as idéias, ela chama o corpo para você, ela chama o corpo até você. (ela se olha num espelhinho) A imaginação brinca com o teu sexo, ela te consome como a segunda parte da música.

MALU
(foco nela) Fica nu pra mim. (apaga o foco dela)

AMAURI
Sem nomes, ela disse. O corpo dela não tem nome, não tem RG. O endereço se perdeu no bolso, o celular não tinha crédito e o e-mail não foi anotado. Só uma garota, no travesseiro. Ela se vira para ser abraçada. Uma guria, eu disse. E aquela pele perseguida em volteios e partes que não se completam é tudo ao mesmo tempo. Para o homem, as curvas são o sinal de bom corpo, de boa prole. Para a guria, a menina, a jovem, nada mais é do que artifício. E ela é a guia para todas as estradas possíveis.

(luz geral)

MALU
Quando vamos fazer amor que nem ontem?

AMAURI
Dança comigo?

MALU
Você e Chet Baker. Por que não muda de faixa?

AMAURI
Meu gosto te inferniza?

MALU
Contanto que você não me leve a Amsterdam.

AMAURI
Vou te levar ao lugar crucial.

MALU
(beija-o) Não.

AMAURI
Malu.

MALU
Sem nomes.

AMAURI
Quer me ouvir dizer “eu te amo”?

MALU
Quero, mas só quando você estiver dentro de mim, preso e miserável.

AMAURI
Quero teu e-mail.

MALU
Nunca.

AMAURI
Me passa o teu celular.

MALU
Enlouqueceu.

AMAURI
Quero te levar até tua casa.

MALU
Vou fugir daqui.

AMAURI
Vou rir de tuas fotos, vou conhecer teus bichos de pelúcia, falar contigo no MSN.

MALU
Escuta aqui, eu sou teu brilho de vida, eu sou teu sopro de vontade, tua coisa que pulsa. Não é pra me moldar, não. Não é assim que eu funciono.

AMAURI
Vou morrer de tesão, pela manhã.

MALU
Eu sei. Você me come com os olhos e me fatia em porções miúdas. Morde meus ombros, meu peito te acaricia e teus dedos são automóveis.

AMAURI
Você é uma cidade.

MALU

Nem tanto. Sou apenas uma estrada vicinal que você percorre à noite, com farol de milha.

AMAURI
Quer mais vinho?

MALU
Quero você. E não penso em competir com ninguém.

AMAURI
Sem nomes, você disse.

MALU
Nossas regras são simples: há uma cidade lá fora, uma metrópole em que centenas, se não for milhares, milhares de casais estão na coesão de seus desejos neste exato instante.

AMAURI
Você fala bonito.

MALU
Aprendi contigo, mas não admito isso na tua frente que é pra não te deixar pior do que eu te encontrei.

AMAURI
Fala mais.

MALU
Teu universo criativo me atordoa. Tuas velas e caminhos aquáticos, tuas florestas me engalfinham. Eu nem sei bem o que somos, o que pensamos das coisas direito. Eu chego aqui, mostro o meu seio, você o acaricia e o beija assim que abre a porta. Eu entro, você me despe e me desperta em beijos.

AMAURI
Continua.

MALU
No instante seguinte, meus pêlos pubianos são tua realidade, apenas. Nada além deles. Tudo o que eu digo de novidade do mundo externo não conta.

AMAURI

Sem nomes, você disse.

MALU
Eu nua, você munido de tesão. O chuveiro despeja água sobre tudo o que somos, e você me acaricia, me enlaça, me penetra brincando. Brincando de mim.

AMAURI
Vou te levar pra Búzios.

MALU
Melhor que Amsterdam, nesse momento. E se os holandeses me prenderem por meia hora numa saleta de aeroporto, o que eu faço? Digo que sou tua e eles me expulsam diretamente para os teus braços? Digo que sou tua e me jogo de costas na cama para você me encontrar inteira?

AMAURI
Se eu tivesse um mapa da tua emoção, um guia das ruas dos teus sentimentos...

MALU
Um mapa não adianta. Você não me desvenda e eu te devoro.

AMAURI
Diga que é minha e eles te expulsam.

MALU
Digo que sou tua e eles carimbam assim no meu passaporte: “persona mais do que non grata”.

AMAURI
Eu te conto as histórias que me contavam quando eu quis viajar.

MALU
Eu sei. E você me leva até Amsterdam nos teus sonhos.

(encerra Chet Baker)

AMAURI
Eu fico nu pra você.

MALU
Não duvido. Eu te completo.

AMAURI
Vou te levar a Belfast. Você vai adorar Positano. Vamos dormir em Zurich e brindar nossas taças no Kremlin.

MALU
Me desenha.

AMAURI
Mais um?

MALU
Eu deito na sua cama, primeiro. E daí você relaxa enquanto eu estiver fazendo as minhas coisas. A lápis.

AMAURI
Sem nomes, você disse.

MALU
Sem nomes, eu disse. E diga que me ama apenas quando você estiver dentro de mim.

AMAURI
Direi.

MALU
Me surpreenda.

AMAURI
Irei te amar como nunca. (começa a se deitar)

MALU
Me fale coisas que eu nunca ouvi. (começa a se deitar também)

AMAURI
Eu já te chamei de Camille Claudel?

MALU
Não farei os pés e as mãos para você. Deixarei a teu critério.

(vão falando simultaneamente)

AMAURI
Olga Benário.

MALU
Billie Holiday.

AMAURI
Tarsila.

MALU
Erêndira.

AMAURI
Rosa Luxemburgo.

MALU
Sarah Kane.

AMAURI
Edith Piaf.

MALU
Frida Khalo.

AMAURI
Clarice.

MALU
Pagu.

AMAURI
Anne Frank.

MALU
Eu sou uma cidade para você. E você toca Chet Baker de fundo em Amsterdam pra mim.

(recomeça Chet Baker)

AMAURI
Meu saxofone.

MALU
Vou adorar morrer nos teus braços.

(luz em resistência ao som da música)


FIM

Novembro de 2009
(C) 2009 Ruy Jobim Neto / todos os direitos reservados
all rights reserved

domingo, 12 de julho de 2009

texto para atriz e ator


DOIS PARA O SAGUÃO
de
Ruy Jobim Neto
..................
"DOIS PARA O SAGUÃO" foi apresentada pela primeira vez nas Satyrianas 2009, no dia 01 de novembro, às 02h30, numa produção da Cia. Mestremundo de Histórias, sob direção de Filipe Peña, no Teatro do Ator, em São Paulo, com a seguinte composição de elenco:
.....
CLAUDIO CABRAL........................Azevedo
ADRIANA CUBAS.......................Bianca

.................

Personagens:
AZEVEDO
BIANCA


Bianca é atriz e procura apartamento. Chove. Ela está isolada na portaria de um prédio onde foi procurar imóvel. Azevedo é o porteiro do final de tarde. Ela não tem mais permissão para ver imóvel algum, pelo horário. Ela está impaciente, ele faz algumas ações do seu personagem, rega planta, arruma tapete, coisas assim.

Época: atual
Ação: o saguão de um prédio

....

BIANCA
Não tem mais como?

AZEVEDO
Tem não.

BIANCA
Nenhum apartamento?

AZEVEDO
O horário já bateu. Não pode ver mais nenhum.

BIANCA
Nem kitchnete?

AZEVEDO
Não tem kitch neste prédio.

BIANCA
Entendo. (tempo. Fica impaciente) E essa chuva, não pára mais, é?

AZEVEDO
Acho que não, moça. Foi todo o feriado assim.

BIANCA
Que bosta. Ops. Desculpe.

AZEVEDO
Tudo bem.

BIANCA
Na sua função você não pode dizer palavrão, né?

AZEVEDO
Não.

BIANCA
Nem o pessoal que mora no prédio?

AZEVEDO
O pessoal diz.

BIANCA
Tipo o quê? Que palavrão, por exemplo?

AZEVEDO
Não posso dizer.

BIANCA
Ah, é. (tempo) E se eu disser?

AZEVEDO
Não pega bem palavrão na boca de mulher.

BIANCA
Quem disse isso?

AZEVEDO
Todo mundo diz.

BIANCA
Todo mundo quem?

AZEVEDO
Todo mundo, oras.

BIANCA
Quem, por exemplo?

AZEVEDO
Os caras lá no boteco.

BIANCA
Eles devem falar palavrão adoidado.

AZEVEDO
O tempo todo.

BIANCA
E você fala palavrão quando tá lá com eles, aposto.

AZEVEDO
Tem que falar, né?

BIANCA
É...Em Roma como os romanos.

AZEVEDO
Quê?

BIANCA
Nada. É só uma expressão.

AZEVEDO
Ah.

(silêncio)

BIANCA
Qual o seu nome?

AZEVEDO
Azevedo.

BIANCA
Só isso? Azevedo?

AZEVEDO
É assim que me chamam.

BIANCA
Quem te chama assim? Os caras lá no boteco?

AZEVEDO
Também.

BIANCA
Também? Tem mais gente que te chama de Azevedo?

AZEVEDO
Minha mãe.

BIANCA
Tua mãe te chama de Azevedo?

AZEVEDO
Ela que espalhou meu nome. E fiquei sendo Azevedo.

BIANCA
Tua mãe?

AZEVEDO
É.

BIANCA
Foi em homenagem ao teu pai? Ele é que é Azevedo?

AZEVEDO
Não. Azevedo foi o último namorado dela.

BIANCA
Entendi ... (tempo) Eu sou atriz.

AZEVEDO
Tá em alguma novela?

BIANCA
Ainda não. Nem sei se quero. Faço teatro e já fiz alguns curtas.

AZEVEDO
Não fez novela?

BIANCA
Não.

AZEVEDO
Nenhuma?

BIANCA
Não.

AZEVEDO
Ah.

BIANCA
Por quê? Você vê televisão? Tem televisão aí, no balcão?

AZEVEDO
Tem não.

BIANCA
Por quê? Não te deixam ver TV?

AZEVEDO
Não. A última vez que vi jogo do Brasil na Copa eu dormi. E aí me tiraram a TV.

BIANCA
Você não pode dormir, né?

AZEVEDO
Não.

BIANCA
(ri) E você dormiu com jogo do Brasil na Copa?

AZEVEDO
Pra você ver.

BIANCA
(para de rir) Entendo. (tempo) Eu já fiz comercial.

AZEVEDO
De cerveja?

BIANCA
Não. De locadora de automóveis. Daquelas grandes, sabe?

AZEVEDO
Nunca vi.

BIANCA
Você tem carro?

AZEVEDO
Não. Eu venho de ônibus, pro trabalho. Às vezes venho de bicicleta.

BIANCA
Por isso você não vê comercial de locadora de carro.

AZEVEDO
É.

(silêncio)

BIANCA
Você é casado, Azevedo? Posso te chamar assim, de Azevedo?

AZEVEDO
Pode. Mas não sou casado, não. Sou amasiado.

BIANCA
Amasiado.

AZEVEDO
É. Eu vivo com uma mulher.

BIANCA
Ela faz o quê?

AZEVEDO
Atriz é sempre curiosa, desse jeito?

BIANCA
Eu sou curiosa. Tua mulher faz o quê?

AZEVEDO
Ela não é minha mulher. É amasiada.

BIANCA
Ah.

AZEVEDO
Ela cozinha num restaurante por quilo.

BIANCA
E é tua amasiada por quê?

AZEVEDO
Cê é curiosa, hein?

BIANCA
Sou mesmo.

AZEVEDO
A gente tá esperando o momento certo pra se casar.

BIANCA
Momento certo? Que momento certo?

AZEVEDO
A hora de juntar os trocados.

BIANCA
A vida é curta, Azevedo. Se não casar, fica pra titio. Você daria um bom titio, Azevedo?

AZEVEDO
Sou filho único.

BIANCA
E mesmo assim tua mãe te chama de Azevedo?

AZEVEDO
É.

BIANCA
Por causa do ex dela?

AZEVEDO
É.

BIANCA
Ah, pelo amor de Deus! Que é isso!

AZEVEDO
Sou Azevedo e pronto.

BIANCA
Claro que não! Ninguém é “Azevedo e pronto”! Qual o teu primeiro nome?

AZEVEDO
Pelópidas.

(tempo)

BIANCA
É melhor Azevedo, mesmo.

AZEVEDO
Não falei?

(silêncio)

BIANCA
Posso te chamar de Pelópidas?

AZEVEDO
Não. Eu sou Azevedo.

BIANCA
Se eu te chamar de Pelópidas, você me responde?

AZEVEDO
Não. Já me acostumei com Azevedo.

BIANCA
Entendo. (tempo) Sabe quem era Pelópidas?

AZEVEDO
Não.

BIANCA
Um ator famoso. O Paulo Gracindo, lembra dele? Ele era Pelópidas. Aí ele trocou o nome.

AZEVEDO
Que nem eu.

BIANCA
Mas no caso dele, ele já era ator, sabe? E ninguém ia chamar ele de Pelópidas isso, Pelópidas aquilo. “O grande ator Pelópidas tal coisa”. Não. Ele trocou o nome.

AZEVEDO
O meu foi minha mãe que trocou.

BIANCA
É, eu sei. No caso dele, até as pessoas chamavam ele de outra coisa. Teve uma empregada que chamava ele de “Seu Petrópolis”.

AZEVEDO
Ninguém sabe o meu nome. Só a senhorita.

BIANCA
Senhorita? Que bonitinho. É difícil um cavalheiro chamar uma dama de senhorita, hoje em dia. Aposto que você não usa nem internet, não é? Você sabe o que é internet, Pelópidas, ops....Desculpe...Azevedo?

AZEVEDO
Sei. Um cara da internet vem instalar nos apartamentos quase toda semana. Ou vem fazer reparo.

BIANCA
Mas você nunca acessou? Quer dizer, nunca entrou na internet? Você tem computador?

AZEVEDO
Na administração do prédio tem computador. Eu mesmo nunca mexi num.

BIANCA
Que dó.

AZEVEDO
Que dó nada. O pastor lá na Igreja diz que computador é coisa do demo.

BIANCA
Você acredita nisso?

AZEVEDO
Se o pastor disse.

BIANCA
Mas isso é o pastor dizendo. E você, mesmo, o que acha?

AZEVEDO
Eu acho isso que o pastor disse.

BIANCA
Tá.

(silêncio)

BIANCA
Essa chuva não pára, né?

AZEVEDO
É.

BIANCA
Vem pouca gente aqui nesse prédio.

AZEVEDO
É feriado. Não tem ninguém na cidade.

BIANCA
Mas uma cidade tão grande. Com tanta gente, tanto carro...(tempo) E você... você já fez alguma perversão, Azevedo?

AZEVEDO
Se eu fiz o quê?

BIANCA
Alguma perversão. Uma perversãozinha, assim, de vez em quando nessa sua vida.

AZEVEDO
Fiz não. É pecado, o pastor disse.

BIANCA
Ah, mas esse pastor não sabe toda a verdade da vida, não.

AZEVEDO
Claro que sabe. Ele lê muita coisa.

BIANCA
Mas não é tudo o que tá escrito que é verdade, Azevedo.

AZEVEDO
Que conversa, essa.

BIANCA
Se você fizesse alguma perversão, que perversão faria?

AZEVEDO
Eu não posso pensar nessas coisas, não, moça.

BIANCA
Me chama pelo meu nome. Meu nome é Bianca.

AZEVEDO
Não é costume aqui do prédio chamar as pessoas pelo nome.

BIANCA
Chama do quê, então?

AZEVEDO
De senhor, de senhora, de senhorita.

BIANCA
Afe. Quem determinou isso?

AZEVEDO
São as regras.

BIANCA
Nossa, mas que prédio mais rigoroso. Ainda bem que não consigo alugar apartamento aqui, tá muito caro. Já pensou se eu alugasse e viesse morar aqui? Credo! Nem gosto de pensar!

AZEVEDO
É um bom prédio, esse.

BIANCA
É muito rigoroso! Pra quem gosta de ser chamado de senhor, de senhora ou senhorita, tá bem, mas não pra quem não tá acostumada...Feito eu.

AZEVEDO
Então não daria certo, mesmo.

BIANCA
É. (tempo) Mas você enrolou, enrolou, desviou e não respondeu à minha pergunta. Então, Azevedo, que perversão você faria?

AZEVEDO
Nenhuma.

BIANCA
Nenhuma? Nenhuminha? (aproxima-se) Assim, nem uma perversãozinha? No final de uma tarde, uma chuva danada lá fora, com tanto apartamento vazio lá em cima, de dois quartos, sem móveis, e eu aqui, uma pobre coitada sem teto e sem casa, procurando imóvel. Não te dá nenhuma vontade? Você não pensa em nada disso, não?

AZEVEDO
Pensar eu penso, que sou homem!

BIANCA
Ahá! Chegamos a um denominador comum!

AZEVEDO
O quê?

BIANCA
Você, porteiro da tarde, Azevedo Pelópidas, ou Pelópidas Azevedo, sei lá, e eu, atriz, Bianca Matheus, brasileira, adulta e vacinada e sem teto...Não te passa uma vontade, às vezes, quando você vê uma mulher bonita feito eu, assim? Uma vontade louca de transgredir, de fazer uma loucura que você nunca fez e de que vai lembrar pra sempre nessa sua vida de bosta?

AZEVEDO
A senhorita tá passando bem?

BIANCA
Porra! Me chama de Bianca, caralho! Esse é o meu nome, Pelópidas!

AZEVEDO
Azevedo, por favor.

BIANCA
Humm...(aproxima-se, lânguida) Tá ficando enfezadinho, é?

AZEVEDO
Eu vou ter que colocar a senhorita pra fora do prédio...

BIANCA
Por quê? O que eu fiz? Eu te apontei uma arma? Te machuquei? Te xinguei, por acaso?

AZEVEDO
Não é o que a senhorita fez, mas é o que a senhorita tá pensando em fazer.

BIANCA
Bianca, porra! Custa me chamar de Bianca?

AZEVEDO
Eu vou ter que expulsar a senhorita.

BIANCA
Expulsar por quê? Só porque eu disse “porra”?

AZEVEDO
A senhorita sabe que não.

BIANCA
Bianca.

AZEVEDO
(corrige) Bianca.

BIANCA
Então é pelo quê? Hummm.....Você está ficando excitado com toda essa minha conversa, né? Tá todo excitado, aí, posso até ver...Humm...Eu, uma branquelinha linda, assim, no final de tarde, dando sopa na sua portaria, no saguão desse prédio de apartamentos caros, um monte de apartamento vazio lá em cima, cheio de quartos, com banheiras, com janelas que dão pros outros prédios...Convidando você pra uma perversãozinha no meio de um feriado com chuva...

AZEVEDO
Eu vou ter que expulsar a senhorita...

BIANCA
Experimenta! Toca em mim! Me pega! Me arrasta pra fora!

AZEVEDO
Eu não costumo machucar mulher.

BIANCA
(irônica) Oh... (aproxima-se ainda mais) Um homem cavalheiro...Daqueles tão cavalheiros que vê uma oportunidade passar embaixo da sua fuça e não pega... E depois vai pra casa, e pra não pensar nisso, vai dar uma com a mulher...

AZEVEDO
Amasiada.

BIANCA
Tá, que seja. Com a amasiada...E aqui mesmo, nesse saguão, já que você não tem nem TV e nem ninguém a não ser eu? Não te passa nada pela cabeça não, Pelópídas?

AZEVEDO

Azevedo, por favor.

BIANCA
E se eu transgredir e te chamar de Pelópidas, você vai fazer o quê comigo? Vai me bater? Vai me expulsar daqui nessa chuva toda? Ou eu posso entrar nos elevadores e subir lá pra um dos apartamentos vazios e você nem vai saber onde me encontrar?

AZEVEDO
Eu tenho todas as chaves aqui comigo.

BIANCA
Que excitante... (parte pra cima dele) Um homem sem transgressão. Com todas as chaves do prédio. Um homem com acesso, com mulher amasiada, com mãe que batiza ele com sobrenome do namorado, que não vê TV nem comercial de locadora de carro, que não entra na internet, que não faz o que tá pensando só porque o pastor assim determina...

(AZEVEDO agarra BIANCA e tasca um beijo nela, solta ela em seguida, limpa os lábios com a manga comprida da camisa, ela jogada no chão olha pra ele, se desconcerta)

AZEVEDO
Melhor a senhorita ir embora.

BIANCA
É. Senão você me ataca aqui mesmo, nesse saguão. E vou me embora nessa chuva toda. Vou ficar toda molhada, vou pegar uma gripe daquelas, e tudo por culpa desse teu beijo de merda.

AZEVEDO
Eu vou pedir perdão ao pastor.

BIANCA
Vai ter que fazer mais do que isso. Você vai trepar com sua amasiada, hoje à noite, pensando em mim. E quando você ligar a TV e me vir no comercial da locadora de carro, não vai nem poder contar pra ela, nem pros seus amigos do boteco, que me deu um beijo. Ninguém vai acreditar em você. Sorte a sua que esse prédio aqui não tem câmera, senão a coisa ia complicar ainda mais pro teu lado, Pelópidas. Ops. Desculpa. Azevedo.

(ele faz menção de ir em direção a ela, de novo)

BIANCA
(afasta-se) Tá bem. Eu vou agora. Mas fique sabendo que você jamais irá se esquecer de mim. Nem que o seu último pensamento esteja quase vomitando por sua cabeça, mesmo assim eu me vou. Obrigada, viu, Azevedo? Tchau, Azevedo. (sai)

(tempo)

AZEVEDO
(pega o celular, liga) Mãe? Oi, minha mãe. Sou eu, seu filho, Pelópidas. (...) Não, mãe! Não, Azevedo não! Puta que pariu! Meu nome é Pelópidas, minha mãe! Pe-ló-pi-d...(ela desliga)...Mãe? ...Mãe?.... Mãe?

(blecaute)

FIM


Julho de 2009.

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segunda-feira, 1 de junho de 2009

Texto para ator e atriz


O MAPA DO CORAÇÃO DO MUNDO

de Ruy Jobim Neto

Personagens:
JEAN
ELISE

O leito de amor de um cartógrafo. Um dossel feito de mapas antigos nele projetados. No meio dos lençóis, está Elise, bela mulher pragmática e misteriosa. Nesta noite, Elise se encontra em fogo. Jean está sentado numa cadeira, à parte, no cenário, com vendas nos olhos, pés e mãos amarradas. Em volta dele, velas, muitas velas. Uma música folclórica da Europa oriental é ouvida, ao fundo.

ELISE
Diz.

JEAN
Ancoradouro.

ELISE
É só o que você consegue pensar?

JEAN
Elise. Estou vendado. Os pensamentos me fogem.

ELISE
Diz de novo.

JEAN
(lambendo os lábios) Promontório.

ELISE
Entre os lençóis?

JEAN
Isso não se faz...

ELISE
Você ainda se lembra de mim?

JEAN
De cada passagem.

ELISE
Como eu fico no verão?

JEAN
As marés enchem. A sua pele se arrepia com o vento sul.

ELISE
E o farol?

JEAN
O farol?

ELISE
Sim. Aquele que anuncia as naus.

JEAN
O farol...

ELISE
Deixo minhas madeixas cairem. Elas te dizem alguma coisa?

JEAN
Cachoeiras.

ELISE
Plenas de água. Elas esperam por ti, mon cher.

JEAN
Isso não se faz. Me tira daqui.

ELISE
Não! (acalma-se. Vai até ele languidamente) Primeiro me mostre o caminho.

JEAN
Um norte?

ELISE
Deixe que tua criatividade te conduza.

JEAN
As estrelas me conduzem.

ELISE
Isso! As estrelas! (olha para cima, procura) Como é mesmo o Cruzeiro do Sul?

JEAN
Não se consegue ver daqui.

ELISE
Por que não? Se você me indicar a posição...

JEAN
(interrompe) Não se consegue ver daqui, Elise.

ELISE
Não me conformo. Todas as constelações estão lá, menos essa?

JEAN
Não se consegue ver o Cruzeiro do Sul deste hemisfério, meu bem.

ELISE
(olha pra ele, imediatamente) Você disse.

JEAN
Disse?

ELISE
Oui. Você disse “meu bem”. Significa “ma cherie”.

JEAN
Elise...

ELISE
Diz de novo.

JEAN
Me tira daqui primeiro.

ELISE
Não. Primeiro você diz.

JEAN
Enseada.

ELISE
Não.

JEAN
Afluente.

ELISE
Também não.

JEAN
Azimute.

ELISE
Azimute é bonito.

JEAN
Me tira daqui.

ELISE
Nem pensar.

JEAN
Isso não faz o menor sentido.

ELISE
Claro que faz. Para mim. (volta para o dossel)

JEAN
Vão pensar o que de você?

ELISE
Que sou a amante de um cartógrafo. Que ele desenhou em minhas costas o mapa do coração do mundo.

JEAN
Se teu pai chega...

ELISE
(retorna para JEAN) A preocupação maior, mon cher, não é quem vai pensar o que de uma menina em cujas costas tem um mapa desenhado. A questão é: quem vai comprar e a que peso a pele dessa garota.

JEAN
Teu pai jamais venderia tua pele.

ELISE
(encosta-se em JEAN, desnudando as costas, deixando ele sentir sua pele no rosto, há um mapa desenhado nela) O que não se faz nesse mundo por uns dobrões de ouro, não é mesmo?

JEAN
Não seja louca.

ELISE
(deixando-o louco, ele vai falando palavras simultaneamente) A pele de uma mulher. Ela guarda e deságua tesouros inesquecíveis.

JEAN
Astrolábio. Latitude. Planisfério. Mercator.

ELISE
Infindáveis. Uma mulher sabe e reconhece o calor de seu homem. Ela sente no olhar. Na vastidão, nos afagos. Em cada toque de seus dedos.

JEAN
Piri Reis. Coordenadas. Montanhas. Cordilheiras. Foz. Estuário.

ELISE
Ele se perde na extensão das horas, nas ondas do mar e nos ventos que sopram das montanhas. A mulher, no afã da espera, renova as lembranças de seu olhar cativo, de seus abraços impulsivos, de sua imensidão quase inesgotável.

JEAN
Arquipélago. Bósforo. As Colunas de Hércules. Gibraltar!

ELISE
(se afasta repentinamente, ele quase cai) E no entanto, um inusitado pombo-correio, que avise a sua chegada pelo mar, está também anunciando o amor que desce as corredeiras. O amor que suga as entradas, que revolve os fios de cabelo como se fossem cristais.

JEAN
Você enlouqueceu.

ELISE
Não. Muito pelo contrário, Jean. Você enlouqueceu. E no que perde todas as referências, fica sem voz, sem rumo. Fica, assim, docemente, aos meus pés.

JEAN
Teu pai vai chegar.

ELISE
O doce sabor dos trópicos te fez mais meu. Você viu praias que eu nunca imaginei em meus delírios. Viu florestas e animais que minha íris jamais atinou. (aproxima-se) Eu, que me desmancho em devaneios, sei que meu homem está à mercê das correntes e maresias. (ela o enlaça em palavras, ele perde os sentidos com o que ouve) À mercê das sereias e animais fantásticos. Mas não precisa ir muito longe, não. Eu sou tua perdição de tristes cartas jogadas ao mar, de nuvens que não rebentam na costa e nos recifes, sou teu sonho de beribéri, teu pesadelo de ouro e prata. (beija-o)

JEAN
Elise.

ELISE
Meu pai vai chegar, sim. E quando ele entrar, verá que sua filha se verteu em mulher aos braços de um homem que revirou as águas, que conquistou os matizes do céu, que entendeu o vôo das andorinhas e que transpôs tudo isso para a pele dela. (tira a venda dele) Mon cher. (ela pega uma vela)

JEAN
Me tira daqui, Elise.

ELISE
Não. A prova maior de seu amor por mim não está em seu medo da chama. (aproxima a vela do rosto dele, perigosamente) E sim no desalinho de seu próprio coração, nas carnes loucas que o seu gênero homem não consegue medir em números, tampouco guardar as proporções numa estante. Meu papel-mulher te embala feito mapa em pergaminho. E te põe louco.

JEAN
(seco) Je t’aime. (ela afasta a vela)

ELISE
Meu pai vai chegar, e vai ver que sua filha carrega um mapa. Mas é outro mapa de que ela precisa. Um mistério completo que atemoriza mais do que a linha do horizonte. Mais do que o próprio oceano.

JEAN
Je t’aime.

ELISE
(sopra a vela) Mata-me em tuas dimensões de astrolábio. Faça a tua leitura de meus olhares e beijos. Meça um por um. (abaixa-se suave e languidamente, põe a apagar uma por uma das velas que o rodeiam enquanto fala) Negocie minhas carícias no mercado negro.

JEAN
Je t’aime.

ELISE
(apagando as velas, não olha para ele) Faça amor comigo e terá Petra inteirinha num piscar de olhos. A Petra dos mil anos, em tua pequena Elise de olhos vagos e vinhos eternos.

JEAN
Me tira daqui, Elise.

ELISE
(levanta-se, fica de pé ao lado dele, superior à presa) Você não entendeu nada, Jean. Nem mesmo tuas frases escorregadias me comovem agora.

JEAN
Tem um navio me esperando.

ELISE
Um navio. O chamado para o infinito.

JEAN
Preciso partir, ma petite.

ELISE
Ma petite. (começa a desamarrá-lo) Afinal uma palavra de alento nesse céu que nos abriga.

JEAN
Te mandarei cartas.

ELISE
Te preparei um vinho.

JEAN
Escreverei para sempre.

ELISE
Você bebeu enquanto dormia.

JEAN
Te contarei aventuras.

ELISE
Vai morrer em poucas horas.

JEAN
O quê?

ELISE
(lânguida) Um veneno do amor que te deposito. As horas cruas em desassossego de espera infinda. Um regalo, mon cher.

JEAN
Você é louca.

ELISE
(aproxima-se, olha para ele, beija-o) Vou te abreviar a vida para que meus dias sejam doces. Te amarei para sempre.

JEAN
Não acredito em palavra alguma do que diz.

ELISE
Acredita, sim. Meu pai vai chegar, verá a filha dele em devassidão da carne, ela com as costas pintadas para o mercado negro. Um mapa que ela sempre quis. As noites do porto são bastardas, como um dia foi Inês. (desata-o completamente)

JEAN
Inês.

ELISE
A de Castro. Ela foi estrangulada.

JEAN
Não. Degolaram ela.

ELISE
(docemente desafiadora) E você? o que irá fazer comigo, meu cartógrafo?

(tempo. Ela se posiciona. Jean começa a estrangulá-la em pé. A princípio, respirando com dificuldade, Elise esboça um sorriso maroto, que em seguida se transforma em temor declarado apenas no olhar, ela percebe o fim iminente. Quando ele a solta. Tempo. Ela põe suas próprias mãos no pescoço, protegendo-o, e respirando de forma ofegante, depois vai acalmando, quando ele já vai pegando algumas roupas e preparando uma saída)

JEAN
É bom que teu pai não te veja por aqui. Te deixarei a chave sob o dossel.

(Elise continua com as mãos no pescoço, vai tirando paulatinamente. Jean sai. Ela olha na direção em que ele se foi. Se vê sozinha. Começa a rir, mistura choro ao riso, começa a mexer nos cabelos compridos, e olha para o dossel. Segue em direção a ele, lentamente. Senta-se na cama e encontra a chave. Respirando ofegante, Elise olha para o objeto e faz menção de que o vai engolir. Respira forte, abre a boca até quase colocar a chave lá dentro, mas desiste. Fica olhando para a chave)

ELISE
Rumo Norte. Não. Sudoeste. Para Ceuta, Ilhas Baleares, não, para as Canárias, à toda vela. Azimute é caminho, é direção. O ponto de encontro da linha da estrela maior. Maior que todas as outras. Maior que o coração da gente. Maior que a própria vida. (deixa a vela na cama, segue em direção a uma garrafa de vinho escondida atrás, junto com uma taça quase no final. ELISE sorri, olhando para a taça) Azimute é caminho, é direção. (olha na direção em que ele se foi) Devia ter acreditado em mim, mon cher. Uma mulher em chamas sempre sabe o homem dela. (olha para a taça) Azimute é caminho. (faz menção de beber, mas pára imediatamente com o copo diante da boca, sem tocar os lábios nele. Sorri, afasta o copo, olha de novo em direção para onde Jean se foi, levanta a taça) E direção.

(blecaute)


FIM
(C) 2009 Ruy Jobim Neto, todos os direitos reservados / all rights reserved



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quinta-feira, 21 de maio de 2009

Texto para ator e atriz: "EXAME"


“EXAME”
de
Ruy Jobim Neto

Um ateliê. homem pinta um quadro, uma mulher posa, ela veste um sobretudo.

Personagens
CHRISTIAN
ROXANNE
.......


CHRISTIAN
Está calada, hoje.

ROXANNE
Eu?

CHRISTIAN
Você é sempre falante. Sempre contando seus problemas.

ROXANNE
Eu sempre conto meus problemas?

CHRISTIAN
Toda vez.

ROXANNE
Posso me mexer?

CHRISTIAN
Agora não. Quero captar sua aura assim.

ROXANNE
Mas eu não estou fazendo nada.

CHRISTIAN
Melhor assim. Se você estivesse falando, gesticularia muito.

ROXANNE
Eu gesticulo muito?

CHRISTIAN
Sim.

ROXANNE
E conto problemas?

CHRISTIAN
Sempre.

ROXANNE
Eu sou um estorvo pra você, então.

CHRISTIAN
Não, não é. Eu gosto quando você gesticula e quando conta seus problemas.

ROXANNE
Então..

CHRISTIAN
Nem pense em se mexer.

ROXANNE
Essa pose limita as pessoas.

CHRISTIAN
Eu sei.

ROXANNE
Entendi. É uma pose pra pessoa não gesticular e nem contar problemas.

CHRISTIAN
Entenda como quiser.

ROXANNE
Me fale de um problema.

CHRISTIAN
Meu?

ROXANNE
Não. Um meu que eu tenha contado. Você lembra deles?

CHRISTIAN
Recordo um por um. Cada sessão contigo vale por um ano de analista.

ROXANNE
Unzinho só. Você é capaz de lembrar?

(Christian pára de pintar, vai até Roxanne, olha pra ela)

ROXANNE
O que foi?

CHRISTIAN
Estou examinando.

ROXANNE
Examinando o quê?

CHRISTIAN
Coisa de pintor. Pintores examinam.

ROXANNE
(incomodada) Esse exame demora muito.

CHRISTIAN
Cada um tem seu tempo.

ROXANNE
Ah, cada um tem seu tempo.

CHRISTIAN
Cada um tem seu tempo.

ROXANNE
E este exame é pra ver o quê? Se ao menos eu estivesse nua...

CHRISTIAN
Não carece disso, nesse quadro.

ROXANNE
Você não é uma bicha enrustida não, né, Christian?

CHRISTIAN
(impassível, examinando) Nesse quadro a modelo não precisa estar nua.

ROXANNE
Posso ver o quadro?

CHRISTIAN
Não.

ROXANNE
Posso ao menos me mexer?

CHRISTIAN
JÁ DISSE QUE NÃO!

(silêncio)

CHRISTIAN
Me perdoe. Não costumo brigar com modelos.

ROXANNE
Christian, você não me respondeu à pergunta. Se você é bicha enrustida ou não.

CHRISTIAN
Eu não respondo perguntas enquanto examino.

ROXANNE
Caralho de exame idiota é esse, Christian? Para com isso, porra!

CHRISTIAN
(para imediatamente, apruma-se) Roxanne, você é uma modelo insuportável quando não está gesticulando ao contar seus problemas.

ROXANNE
O que você quer? Que eu conte problemas e gesticule? Não posso me mexer!

CHRISTIAN
Eu estou te pagando a hora pra você ficar imóvel, não pra gesticular.

ROXANNE
E quanto aos problemas?

CHRISTIAN
(volta pro quadro) Roxanne, a pergunta é muito simples.

ROXANNE
Qual?

CHRISTIAN
Você é capaz de contar um problema ao menos sem gesticular uma vez sequer?

ROXANNE
(apronta-se para pintar) Um problema sem gesticular?

CHRISTIAN
Exato.

ROXANNE
Posso pensar um pouco?

CHRISTIAN
Você não foi contratada para pensar sobre gesticulação.

ROXANNE
Posso tentar.

CHRISTIAN
Ótimo. Só assim posso retomar meu quadro.

ROXANNE
Por que? Porque eu muda e caladinha aqui você fica incomodado?

CHRISTIAN
Sim.

ROXANNE
E daí vem me examinar?

CHRISTIAN
Não. Isso era outra coisa. Era pra ver suas rugas de expressão mais de perto.

ROXANNE
Eu não tenho rugas de expressão.

CHRISTIAN
Claro que tem. E elas somem quando você conta seus problemas.

ROXANNE
Mas aí é que eu fico mais deprimida ainda.

CHRISTIAN
É justamente o contrário.

(silêncio)

ROXANNE
Posso começar, então?

CHRISTIAN
A contar um de seus problemas?

ROXANNE
Prometo não gesticular.

CHRISTIAN
Comece. (pega o pincel, olha para ela)

ROXANNE
Muito bem. (tempo) Qual deles você quer que eu conte?

CHRISTIAN
Qualquer um.

ROXANNE
Mas deve ter algum de sua preferência.

CHRISTIAN
Qualquer um, Roxanne, desde que você não gesticule.

ROXANNE
Vou contar aquele em que o Miguel...você sabe...

CHRISTIAN
Não, não sei.

ROXANNE
Aquele em que ele...claro que você sabe! Eu te contei.

CHRISTIAN
Juro que não lembro.

ROXANNE
Mas você lembra de todos os meus problemas.

CHRISTIAN
Não desse. Com esse tal de Miguel.

ROXANNE
(tempo. Sorri) Chris, você está com ciúmes?

CHRISTIAN
Quem dera. Nem sei do que se trata.

ROXANNE
Tá. Eu vou te contar esse problema, então.

CHRISTIAN
Se não quiser, não conte.

ROXANNE
Contarei, Christian. Pra você ver que esse seu ciúme é infundado.

CHRISTIAN
Eu não estou com ciúmes.

ROXANNE
Não adianta negar. Uma mulher consegue farejar isso a quilômetros de distância.

CHRISTIAN
Eu sou um pintor. Se eu sentir ciúmes de todas as minhas modelos, posso me atirar desse décimo nono andar e dou cabo de minha vida. Não fui talhado pra isso. Meu ofício é pintar. O seu é contar problemas.

ROXANNE
O meu é contar problemas?

CHRISTIAN
Sem gesticular.

ROXANNE
Pois muito bem. Vou começar.

(tempo)

ROXANNE
Eu e Miguel fizemos amor ontem à noite.

CHRISTIAN
Quem é Miguel?

ROXANNE
Um carinha que eu conheci ontem mesmo. Eu te contei, não lembra?

CHRISTIAN
Não. E você já foi com ele pra cama, assim, de primeira?

ROXANNE
Eu sou crescidinha, meu amor. Adulta e vacinada. Deu na telha e eu dei.

CHRISTIAN
Deu.

ROXANNE
É como se diz por aí. Quer que eu te mostre como?

CHRISTIAN
Sem gesticular.

ROXANNE
Caralho. (tempo) Vamos lá. Foi ontem à noite. A gente se conheceu num barzinho. Ele tocava. Aí, como toda mulher que se preza, sempre cai de quatro pelo baixista.

(Christian para de pintar)

ROXANNE
O cara era um gostoso, um tesão. Eu falei pra ele: “vem pro meu apê. Agora”. E ele veio. Putz. Ele me despia com uma precisão cirúrgica, eu me senti uma guitarra nas mãos dele, um baixo elétrico, sabe? Ele me excitava toda, eu parecia ligada na tomada. E aí fizemos um acústico.

CHRISTIAN
Acústico?

ROXANNE
(mexe-se) Ops. Desculpe. (volta à pose. Começa a rir)

CHRISTIAN
Não se mexa, por favor.

ROXANNE
Desculpa. (volta à pose) Então...como eu ia contando...

CHRISTIAN
Até agora não vi problema algum. Tá demorando muito.

ROXANNE
Calma. Temos quanto tempo ainda?

CHRISTIAN
(olha no relógio) Dez minutos.

ROXANNE
Ah, porra! Tem tempo pra caralho.

CHRISTIAN
Só não se mexa.

ROXANNE
Ah, o problema. Sim. Então, como eu ia dizendo, o acústico foi lindo, fizemos várias faixas.

CHRISTIAN
Vocês fizeram amor ou gravaram um CD?

ROXANNE
A gente trepou pra caralho.

CHRISTIAN
Que palavriado. Por que você não volta a usar o termo “fazer amor”?

ROXANNE
Porque não foi “fazer amor”. A gente trepou mesmo. Há uma diferença muito grande.

CHRISTIAN
Qual?

ROXANNE
Ah...(sorri) A intensidade...A diferença está...Fazer amor envolve paixão, entrega a um sentimento...Trepar é trepar, é ali, na coisa.

CHRISTIAN
Na coisa? (anda até Roxanne)

ROXANNE
Isso. Na coisa. Ali. Tudo, entende? Ah, você é homem, você sabe como é. (ele se aproxima, ela se incomoda de novo) O que é isso? Outro exame?

CHRISTIAN
Continue contando.

ROXANNE
Vai ver minhas rugas de expressão de novo?

CHRISTIAN
E o teu problema, caramba? Continua contando! Eu tô te pagando ou não?

ROXANNE
Você tá me pagando pra posar! Não pra contar meus problemas!

CHRISTIAN
Não tô vendo problema algum neste teu acústico com esse tal de Miguel.

ROXANNE
Você tá com ciúmes.

CHRISTIAN
Eu sou um pintor.

ROXANNE
Christian, eu te conheço. Essa sua ruguinha de expressão não mente...Você está com ciúmes!

CHRISTIAN
Roxanne! Caralho! Que porra de modelo é você? Vai ou não vai contar o tal problema com esse tal de Miguel? Tô esperando! Ou você acha que meu tempo aqui é de graça? Eu pago esse aluguel, eu pago a luz, eu pago o condomínio dessa porra de estúdio pra quê? Pra ouvir você falar de uma trepada acústica com um baixista chamado Miguel que você conheceu ontem à noite? Ah, não! Sinto muito, eu sou profissional! Não tira uma com a minha cara!

ROXANNE
Você tá com ciúmes!

CHRISTIAN
Você tá se mexendo!

ROXANNE
Tá com ruga de expressão!

CHRISTIAN
Caralho...

(Roxanne beija Christian de sopetão, e então larga ele. Silêncio)

CHRISTIAN
Puta que pariu, Roxanne! Você se mexeu, caralho! O que é que eu te disse?

ROXANNE
(volta pra pose) Desculpe. Não resisti.

CHRISTIAN
Você é uma profissional ou não?

ROXANNE
Você é uma bicha enrustida ou não?

CHRISTIAN
O que interessa isso? Evidente que eu não sou uma bicha enrustida, Roxanne! Senão teria saído fora desse teu beijo!

ROXANNE
Uma bicha enrustida não sairia, não. Por que sairia?

CHRISTIAN
E o teu problema? Não vai contar?

ROXANNE
Vou. O tal de Miguel, o baixista da trepada acústica, enquanto trepávamos adoidado, ele gemeu um nome. O teu.

CHRISTIAN
O quê?

ROXANNE
Ele disse bem assim....” Christian”. Eu ouvi direitinho. “Christian”. Era você.

CHRISTIAN
De alguém falar "Roxanne" pra falar "Christian" tem anos luz de diferença.

ROXANNE
Mas era o teu nome. Eu broxei na hora, nem precisava dizer.

CHRISTIAN
Você broxou por minha causa?

ROXANNE
Tá vendo!?! Era você mesmo!

CHRISTIAN
Não, não por minha causa! Mas por causa do meu nome!

ROXANNE
Broxei.

CHRISTIAN
Daí você ter me beijado?

ROXANNE
É. Pra sentir o que ele sentiu contigo.

CHRISTIAN
Ele quem?

ROXANNE
O Miguel, porra! O da trepada acústica!

CHRISTIAN
Pera lá, Roxanne! Você me examinou pra ver se eu era o Christian que esse tal de Miguel falou no teu ouvido?

ROXANNE
Ele não disse...no meu ouvido. Foi no meu perínio.

CHRISTIAN
Que coisa nojenta de contar, Roxanne!

ROXANNE
Pois é! O cara frente a frente com o meu perínio e fala o teu nome! “Christian!”. Como é que você queria que eu me sentisse?

(Christian volta pro quadro, escolhe o pincel, apronta-se pra pintar)

ROXANNE
Você tá com ciúmes....

CHRISTIAN
(desce o pincel no chão, joga e voa pra cima de Roxanne) Caralho, Roxanne! Cê tá me tirando do sério! (ele para imediatamente na frente dela, ela não se mexe, tempo)

ROXANNE
Você vai me bater? Eu tô imóvel.

(Christian respira)

ROXANNE
O Miguel disse o teu nome cara a cara com o meu perínio. Eu broxei. Ele me disse que tava a fim de outra pessoa. Eu perguntei quem era. Ele disse que era você, Christian. Perguntei o sobrenome. Ele disse o seu. Eu te imaginei ali com ele, fazendo o que eu e ele fizemos. Pensei. O cara é bi. Tudo bem. Quando você me telefonou pra sessão de hoje eu pensei que seria a chance de contar mais esse problema. O que eu não poderia nunca imaginar era que esse problema envolvesse exatamente você, Christian.

CHRISTIAN
Eu?

ROXANNE
E bem de frente pro meu perínio. Eu não vou me esquecer disso nunca mais na minha vida. Meu perínio vai estar associado a você, de agora em diante.

CHRISTIAN
Temos um minuto e meio.

ROXANNE
O que você quer fazer?

(tempo)

ROXANNE
Quer fazer amor comigo?

CHRISTIAN
Num minuto e meio?

ROXANNE
Melhor não.

CHRISTIAN
Eu não falaria o nome de outra pessoa diante do teu perínio.

ROXANNE
Eu sei que não. Agora já está associado ao teu nome. E a você. Isso soaria fake demais.

CHRISTIAN
Melhor você se mexer. E pegar tuas coisas.

(Roxanne finalmente se mexe, sai da pose e vai para suas coisas)

ROXANNE
Volto noutra hora?

CHRISTIAN
Volta.

ROXANNE
Você tem dinheiro agora? Tem como me pagar?

CHRISTIAN
Tenho. (vai até a carteira, pega dinheiro, dá a Roxanne)

ROXANNE
(examina)
Tá certo. (vai para o quadro) Posso ver?

CHRISTIAN
Ainda não.

ROXANNE
Por quê? (tenta ir ao quadro, Christian vai impedindo) Me deixa ver, Christian. Ah, vai, me deixa.

CHRISTIAN
(solta) Está bem. Pode ver.

ROXANNE
(vai ao quadro, horroriza-se) Christian.

CHRISTIAN
Sim?

ROXANNE
Essa não sou eu. Isso aqui parece mais um perínio!

CHRISTIAN
Você é paga para posar, não para fazer crítica de arte.

ROXANNE
Qual o nome desse quadro?

CHRISTIAN
“Acústico”.

(Roxanne tira o quadro do cavalete)

CHRISTIAN
O que você tá fazendo? Peralá! (vai até Roxanne, ela pega outro quadro sem nada pintado e põe no cavalete) Ei! (Roxanne entrega para ele o dinheiro, ele pega)

ROXANNE
Me pinta. Eu. Tô te pagando e não mexerei um dedo sequer.(Roxanne o beija novamente, com mais ternura. Em seguida se desfaz do sobretudo, está nua. Estende o sobretudo para Christian, ele pega) Também não vou contar nenhum problema, desta vez. (sorri docemente)

(blecaute)

FIM

(C) 2009 Ruy Jobim Neto. Todos os direitos reservados. All rights reserved.



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quarta-feira, 20 de maio de 2009

peça para duas pessoas e um homem



“O HOMEM QUE
OLHOU PARA CIMA”

de
Ruy Jobim Neto
.....
Personagens:
HOMEM
PESSOA 1
PESSOA 2
.......

(um homem anda, atravessa o palco em diversos momentos, há um mistério nele. Em determinado instante do espetáculo esse homem olha para cima. E se fixa nisso. As pessoas, em torno, olham também e param curiosas. Vão conversar com ele)

PESSOA 1
O que o senhor tá vendo?

HOMEM
Psst!

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Ele tá vendo alguma coisa? O quê?

HOMEM
Psst!

PESSOA 1
(para PESSOA 2) É o que eu vou tentar descobrir. (para HOMEM) Meu senhor.

HOMEM
Psst.

PESSOA 1
Meu senhor! O que o senhor está vendo?

HOMEM
Me deixa.

PESSOA 2
Não tá vendo que este homem não quer ser interrompido?

PESSOA 1
Mas interrompido em quê? E pra onde ele tá olhando? Você tá vendo alguma coisa?

PESSOA 2
Eu não.

HOMEM
(para as duas pessoas) Psst! Fica quieto.

PESSOA 1
(para o HOMEM) Fica quieto por quê? O que o senhor tá vendo?

HOMEM
(sem tirar os olhos de para onde está olhando) Será possível que um homem não possa olhar, simplesmente?

PESSOA 1
Poder, pode, mas o quê, meu senhor?

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Não tá vendo que ele não quer dizer? Vamos embora!

PESSOA 1
(para PESSOA 2)
Embora pra onde? Calma! Ele não disse mas vai dizer!

HOMEM
Me deixa em paz!

PESSOA 2

Não tá vendo? Ele tá relutante!

HOMEM
Eu não estou relutante. Só estou vendo.

PESSOA 2
(enfezado) Tá! Tá vendo, mas tá vendo o quê, meu senhor?

HOMEM
O que vocês simplesmente não são capazes.

(PESSOA 1 e PESSOA 2 olham para cima, procuram, curiosos)


HOMEM
Há uma beleza lá em cima que vocês não são capazes de ver porque estão mergulhados em seus umbigos.

PESSOA 1
Eu não estou mergulhado em...

PESSOA 2

(para PESSOA 1) Psst!

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Ei!

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Deixa ele falar!

HOMEM
O que vocês simplesmente não conseguem enxergar porque estão cegos, surdos e desprovidos de qualquer sensibilidade. É tudo o que eu estou vendo. Com olhos de criança. Como se fosse a primeira vez.

PESSOA 1
Mas o quê, meu senhor?

PESSOA 2
(agarrando o braço de PESSOA 1) Psst!

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Você tá vendo alguma coisa lá em cima? Tá vendo alguma coisa?

PESSOA 2
Eu não, mas quem sabe ele nos dê alguma pista! Tenha calma!

PESSOA 1
Eu nem te conheço! Por que vou ter calma? Por que vou ter calma com ele, também? Ele não quer dizer, que se dane! Pra que vou ficar olhando pra cima? Pra ver um pombo cagar na minha cara? Entrar merda de pombo nos meus olhos? Vê se eu lá tenho tempo pra perder com isso? Ele não quer dizer? Ótimo! Eu também não quero mais saber.

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Mas foi você que começou com isso.

HOMEM
Foi.

PESSOA 1
(para o HOMEM) Olha aqui, meu senhor, eu tenho mais o que fazer, viu? Isso aqui é uma metrópole e metrópoles não podem parar um instante sequer! Tempo é dinheiro! Já ouviu falar disso?

HOMEM
(sorri) “Tempo é dinheiro”. Eu tinha certeza de que mais hora, menos hora, essa frase ia sair da boca de alguém.

PESSOA 1
Saiu da minha!

HOMEM
Nada mais previsível.

PESSOA 1
E daí? (furioso) Por que o senhor não olha pra gente enquanto fala? O que tem de tão anormal, de tão bizarro lá em cima que o senhor não tira os olhos?

HOMEM
Você é extremamente previsível.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Eu vou pegar esse cara!

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Calma! Talvez esse senhor esteja louco ou algo parecido. Isso acontece muito nas metrópoles. Pessoas param no Viaduto e ficam olhando para cima. Vá ver é uma forma de chamar a atenção. Eles fazem isso para que as outras pessoas olhem também. E daí esse senhor vai depois, para casa, de ônibus, feliz e satisfeito de ter feito pessoas olharem para cima.

HOMEM
Eu vou a pé.

PESSOA 1
O quê?

HOMEM
Eu vou a pé para casa.

PESSOA 1
Alguém te perguntou alguma coisa, meu senhor?

HOMEM
Eu vou a pé. Para olhar.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Este senhor está me tirando do sério!

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Tenha calma!

PESSOA 1
Como vou ter calma? Não tenho meu tempo a perder! Muito menos com um sujeito como este senhor aqui, que olha sabe-se lá para onde! Esta cidade não pode parar.

HOMEM
Por isso ela não vive.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Agora foi demais! Eu vou pegar esse cara! Vou chutar ele!

PESSOA 2
(agarra PESSOA 1 como pode) Deixa disso!

HOMEM
Por isso a cidade não respira.

PESSOA 1
Ele está abusando! Me deixa! Eu vou encher ele de porrada!

PESSOA 2
Calma! Ele tá falando!

HOMEM
As pessoas não olham. Nem para elas mesmas.

PESSOA 1
Eu pego ele! Me larga! Eu vou matar esse cara!

HOMEM
(calmamente olha para os dois)
Vocês dois querem mesmo saber o que eu estou olhando?

PESSOA 2 e PESSOA 1
(juntos)
PESSOA 1 - NÃO!
PESSOA 2 – SIM!

HOMEM
(volta calmamente a olhar para cima) O homem moderno é exatamente como vocês. Essa miríade de indecisões.

PESSOA 1
Ele me xingou! Eu vou esmurrar ele!

PESSOA 2
Ele não falou de você!

PESSOA 1
Ele me chamou de mirí...do que que é mesmo?

HOMEM
Por isso a civilização está morrendo!

PESSOA 1
Eu mato! Eu esfolo! (para PESSOA 2) Me larga! Quem você pensa que é? Eu te conheço?

HOMEM
O homem não se vê mais.

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Você sempre pega o mesmo ônibus e o mesmo metrô que eu. Faz o mesmo trajeto de segunda a sexta-feira, exatamente às quinze para as nove. Religiosamente.

HOMEM
E não olha para cima.

PESSOA 2
Não.

PESSOA 1
Eu vou matar vocês dois.

HOMEM
Nada mais previsível.

PESSOA 1
Eu vou pular no pescoço!

HOMEM
Docemente previsível.

PESSOA 1
Eu mato!

PESSOA 2
Tenha calma. Este senhor estava prestes a nos dizer o que ele está olhando.

PESSOA 1
Não me interessa mais!

HOMEM
O interesse morreu.

PESSOA 1
Eu arrebento a cara dele!

HOMEM
(para os dois, enfático e em voz alta) EU ESTAVA... (PESSOA 1 e PESSOA 2 páram a confusão, olham para o HOMEM)...SIMPLESMENTE...OLHANDO...A CIDADE. (torna a olhar para cima calmamente, tom) Os prédios antigos. Da época do café. As construções que misturam o rococó com o art nouveau, as fachadas de lojas que tapam essas construções magníficas e os fazem desaparecer enquanto, na realidade, estes mesmos prédios estão aí há décadas. Viram passar milhões de pessoas por este mesmo pedaço de chão que estamos pisando. (olha para PESSOA 1 e PESSOA 2) E no entanto, ninguém mais presta a atenção neles. Ninguém. Estão todos cegos. E nesta cegueira, a cidade se perde porque as pessoas se perdem na imensidão de seus bolsos. O bolso - a fronteira final. O fim e o começo de tudo. O começo da vida. A razão das coisas. (ao mesmo tempo em que HOMEM fala, PESSOA 1 e PESSOA 2 vão lentamente olhando para cima) O porquê de tudo acontecer nessa vida. É para onde a civilização caminha. Para o bolso. Milhões de pessoas dentro de um bolso. Enfiadas. Costuradas umas às outras. Atadas pela insensibilidade. Todos juntos na mesma nave-bolso em direção a um mesmo universo-moeda. Nada mais interessa além disso. As pessoas não se vêem e não se tocam. Elas simplesmente desconfiam. Trust no one. Essa é a frase do mundo atual. Trust no one. E se você confiar cegamente no outro, será o próximo pobre coitado. O próximo idiota. Será o próximo mendigo a ser tostado em álcool em praça pública enquanto dorme. E todos passarão na manhã seguinte por aquele pedaço de carne assada em plena madrugada e não vão ver ali outra coisa senão um monte de comida de cachorro. Por isso eu olho para cima. Para pedir a benção. Esses prédios olham por nós todos há décadas. (vai saindo, olhando para cima) Eles são os únicos que dizem assim...”Estamos aqui...Estamos aqui...Estamos aqui...”(sai) “Estamos aqui...”

Tempo.

PESSOA 1
(deixa de olhar para cima e olha para PESSOA 2) Você me vê de segunda a sexta-feira no ônibus?

PESSOA 2
Vejo.

PESSOA 1
E no metrô também?

PESSOA 2
Exato.

PESSOA 1
Sempre às quinze para as nove?

PESSOA 2
Precisamente.

PESSOA 1
E eu não vejo nada?

PESSOA 2
(olha calmamente para PESSOA 1) Não. (começa a sair)

PESSOA 1
(segue atrás)
Olha, o que aquele homem estava dizendo é uma insânia! Ele é louco, só isso! Ele vê coisas!

PESSOA 2
Você está cego.

PESSOA 1
Não! Eu não estou cego! Aquele homem é que vê demais! Isso aqui é uma metrópole! E metrópoles não podem parar!

PESSOA 2
(saindo) Sei. Tempo é dinheiro.

PESSOA 1
Exato! É tudo o que importa, não é?

PESSOA 2
Não.

PESSOA 1
Como não? Claro que é. É para isso que estamos aqui! Somos uma civilização!

(saem completamente)


FIM
...
(c) 2009 Ruy Jobim Neto . Todos os direitos reservados / all rights reserved.



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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Texto para ator e atriz


DESCASOS INDELÉVEIS PARA UMA NOITE
EM SI BEMOL


de
Ruy Jobim Neto
Registro na Biblioteca Nacional (RJ) sob n. 461.920 (23/06/2009)

Personagens

CIÇA
NANDO

(vários cenários, momentos do dia, vários personagens que assumem ao longo de suas dores)

Manhã. Ele no ponto de ônibus. Ela em sua cama, deitada pra cima, espreguiça, vê o celular, coisas deste calibre. Pequenas encenações.


NANDO
Voz em off. Play. Você continua devastada pelo que eu te disse. Te amo ponto com ponto br.

CIÇA
Eu queria que você estivesse pensando em mim.

NANDO
A impressão que eu te passo é de uma bula de remédio. Posologia: duas vezes ao dia. Não mais. Repouso. Duzentas miligramas de verdades, acertos e pequenas incisões de mentira de amor.

CIÇA
É duro ficar mais de 24 horas sem você. Quero muito estar contigo. Me faz bolinho de chuva? P.S.: só não me diga bobagens que não quero ouvir. Me afague. Entregarei meu pescoço para seus dedos. Giro a cabeça e caio deitada em seu corpo. Abraço tuas pernas. Descanso, ganho minha tarde. Ouço Chico Buarque ao longe.

NANDO
Duro falar quando não se tem quem ouça.

CIÇA
Às vezes durmo abraçada em meu travesseiro.

NANDO
Vem pra cá.

CIÇA
Tenho coisa pra fazer hoje.

NANDO
Por que não consigo dizer o que sinto? Me ajuda? Help ponto com?

CIÇA
O que você tá ouvindo?

NANDO
Flávio Venturini.

CIÇA
Cantarola pra mim.

NANDO
Você não gosta. Acha que eu tenho o mesmo gosto que teu pai.

CIÇA
Não lembro.

NANDO
"Por que se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania”

CIÇA
Lembrei.

NANDO
Gosta?

CIÇA
Meu pai gosta.

(silêncio)

Final da manhã. Ela no carro, no trânsito, parada. Louca da vida. Ele, no ônibus, olhando a cidade pela janela.

CIÇA
Merda.

NANDO
Obrigado.

CIÇA
Pelo quê?

NANDO
Você me desejou merda.

CIÇA
Bosta!

NANDO
O trânsito.

CIÇA
(berra) SAI DA FRENTE, CARALHO!

NANDO
Tem GPS?

CIÇA
Que porra é essa? Exame de sangue?

NANDO
Vou adivinhar onde você tá.

CIÇA
Tô fudida.

NANDO
Hoje te peço pra morar comigo.

CIÇA
Puta que pariu.

NANDO
Me apresenta teu pai?

CIÇA
Legal. Você que ouve Flávio Venturini, é?

NANDO
Lembra daquele filme “A Dupla Vida de Veronique”?

CIÇA
Aquele que você viu na Mostra?

NANDO
É.

CIÇA
E eu lá tinha nascido? (berra) VÁ FECHAR OUTRO, FILHO DA PUTA!

NANDO
A Veronique tá dentro de um bonde. E vê o duplo dela passar na rua.

CIÇA
Bacana. E?

NANDO
A gente assistiu em DVD aqui em casa. Você lembra.

CIÇA
Caralho.

NANDO
Queria te ver na rua, agora. Te materializar, que nem a Veronique vê. Você é meu duplo?

CIÇA
Materializar? Você é esotérico?

NANDO
Sou curioso. E você?

CIÇA
Sou tudo um pouco. Até atéia eu sou.

NANDO
Era de Aquário?

CIÇA
Eu sou de Aquário

NANDO
Viaja comigo?

CIÇA
Pra Machu-Pichu?

NANDO
Prometo cantar Flavio Venturini.

CIÇA
No Trem da Morte?

NANDO
Você tem alergia a vacina?

CIÇA
Tô brigada com meu pai. Não queria levar ele junto.

NANDO
Quando eu vou ouvir alguma coisa que preste de você?

CIÇA
Que bosta.

Início da tarde. Ela no dentista, na cadeira. Ele diante do computador, numa lan house.

CIÇA
Não vê que não posso falar agora? Tô com a boca aberta. Cheia de algodão.

NANDO
Vi aqui uma viagem pra nós dois.

CIÇA
Ciso? Que merda.

NANDO
Hoje falei com teu pai por telefone.

CIÇA
Que música é essa?

NANDO
Peter Gabriel. Com a Kate Bush.

CIÇA
Ah.

NANDO
Sabe quem são?

CIÇA
Meu pai conhece?

NANDO
Se chama “Don’t Give Up”. Não desista. É daquele filme da Angelina Jolie e do Denzel Washington. “O Colecionador de Ossos”. A gente viu junto.

CIÇA
Denzél”.

NANDO
O quê? O som tá uma bosta.

CIÇA
O nome dele se pronuncia “Denzél”. Denzel Washington.

NANDO
Esse teu curso de Inglês tá te fazendo bem.

CIÇA
Quero sair do país no meio do ano.

NANDO
Silêncio. Interferência. Som de aparelho dentário, broca, lixa, coletor de saliva, ar condicionado, respiração ofegante. A HD trava. Pausa.

Meio da tarde. Ele chega em casa, vasculha acessórios de cena, chapéus, gravatas, bigodes. Ela tá de mão esticada, na manicure.

CIÇA
Ai! Cutícula, né?

NANDO
Ela pensa.

CIÇA
Sua puta.

NANDO
Ela continua pensando.

CIÇA
Não devia ter vindo aqui. Podia fazer as unhas em casa. Economizava uma grana. Ai!

NANDO
Outra rodada de pensamento.

CIÇA
Sua vaca.

NANDO
Quero muito te contar.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
Passei no teste! Vou fazer o musical!

CIÇA
Eu penso.

NANDO
Você vive cantando. Parece meu pai.

CIÇA
Ai!

NANDO
Palavrão intraduzível. Que nem o nome do Prince.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
Eu penso.

CIÇA
Será que ele pensa?

NANDO
O que ela tá pensando?

CIÇA
Eu queria que ele pensasse em mim. Sinto falta.

NANDO
Sair do país? No meio do ano?

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
E eu?

CIÇA
Eu penso. Ai!

NANDO
Vaca filha da puta.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
O que eu represento pra ela?

CIÇA
Queria que você passasse no teste. Você representa bem. Gosto de você no palco. Super ator.

NANDO
Musical de franquia.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
Caralho.

Finzinho da tarde. Ela na casa dele, ele em casa. Ela sentada sobre ele. Beijam-se.

CIÇA
Eu sabia! Eu sabia! (enche de beijinhos)

NANDO
A peça vai fazer temporada longa.

CIÇA
Ai que lindo! Quero ir na estréia.

NANDO
São quatro meses de ensaio. Tem muita coreografia. Muita contra-regragem, palco que gira. Coisa pra caralho.

CIÇA
Ai, que merda.

NANDO
O que foi?

CIÇA
Preciso ir, me leva? O carro do meu pai pifou. Nem tenho como ir.

NANDO
Você nem chegou.

CIÇA
Tenho uma leitura, um ensaio. Que porra. Me leva?

NANDO
É com aquele seu ex?

CIÇA
O Duda? É. Por quê?

(os dois se posicionam de costas, um para o outro, a cada fala, giram a cabeça para um lado)

NANDO
Ela pensa.

CIÇA
Ai, caralho. Já tá desconfiando.

NANDO
Ele pensa.

CIÇA
Ele pensa alguma coisa?

NANDO
Por que ela não diz logo? Nando – é o seguinte, cara. Fim da linha. Fine. Ces’t Fini. The End, que nem no filme da Angelina Jolie.

CIÇA
E o Denzél.

NANDO
E o Denzél.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
Eu não vou conhecer o pai dela.

CIÇA
É isso o que ele pensa? Pra quê? Pra trocarem figurinha sobre Flavio Venturini?

NANDO
Ela pensa.

CIÇA
Tem algo errado.

NANDO
Ela pensa nisso?

CIÇA
(como se estivesse no banheiro, lavando rosto, enxugando rosto, etc) Me leva?

NANDO
O que eu vou dizer? Que a moto tá no conserto, e por isso vamos de ônibus? Que eu vou estudar o texto da peça e ela vai sozinha? Não. Isso não.

CIÇA
Quem não dá assistência perde concorrência.

NANDO
Ela pensa nisso?

CIÇA
Me leva?

Início da noite. Ela, no ônibus, ouve seu aparelho de MP3 do celular. Ele toma uma taça de vinho sozinho.

NANDO
Saúde.

CIÇA
Merda pra você.

NANDO
Machu Pichu?

CIÇA
Você materializa?

NANDO
Nem sente falta.

CIÇA
Sinto sua falta.

NANDO
O que tá tocando?

CIÇA
Tô ouvindo música. Adoro.

NANDO
Seu pai.

CIÇA
O que tem? Pifou?

NANDO
Não vou conhecer ele é nunca.

CIÇA
Caralho. Isso não se faz.

NANDO
Quando você viaja?

CIÇA
Tem que sair, é, moço?

NANDO
O Tom Jobim disse uma vez que a melhor saída para o Brasil é o Aeroporto do Galeão.

CIÇA
Que merda.

NANDO
Que merda. Não consigo rir, desta vez. Saúde.


CIÇA
Acho que é Michael Jackson. Pela voz

NANDO
O que teu coração ouve?

(ela afasta um dos fones de ouvido. Ouve-se “Smile”, de Chaplin, na voz de Michael Jackson)

NANDO
Smile.

CIÇA
Sorrir.

NANDO
Teu pai gosta.

CIÇA
Meu pai gosta. Vi uma vez no You Tube com ele. Chorei. Tinha ele pequeno, com a família. Lembrei de mim. Quando estávamos todos juntos. A gente sorria.

NANDO
Ela pensa.

CIÇA
Eu sinto.

NANDO
Ela fala.

CIÇA
Ele pensa.

NANDO
Que vou me machucar.

CIÇA
Eu sinto a sua falta.

NANDO
Que nem no filme da Angelina Jolie.

CIÇA
E do "Denzél".

NANDO
Teu inglês tá afiando.

CIÇA
Questão de ouvir.

(canção “Smile” aumenta, luz em resistência)

FIM

Abril de 2009.

(C) 2009 Ruy Jobim Neto - todos os direitos reservados
Montagens somente com autorização expressa do autor.



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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Peça para 1 ator, 1 atriz

PS.: um muito obrigado à atriz Mirella Tronkos pela delicadeza em comentar esta peça.

SOMBRAS DA OUVIDOR
de
Ruy Jobim Neto
(C) Ruy Jobim Neto

Personagens

ANTÔNIA
GIBI

(a cena se passa no Rio de Janeiro, em 1907. Um banco de jornaleiro - origem das atuais bancas de revista - é localizado na Rua do Ouvidor, no Centro da cidade. Um gibi – um moleque que vende jornais – está atento com o movimento até que uma moça se aproxima)

GIBI
(segue um pedestre imaginário prum lado) VAI UMA GAZETA AÍ, SEU MOÇO? (segue pro outro) VAI UMA GAZETA AÍ, SEU PADRE? TEM TAMBÉM “O MALHO”, TEM “O TICO-TICO” PRA PETIZADA! (ANTONIA se aproxima, GIBI percebe) VAI UMA GAZETA AÍ, SENHORITA?

ANTÔNIA
NÃO, MUITO OBRIGADA... (tempo) POR FAVOR, EU PODERIA ME SENTAR AQUI UM POUQUINHO?

GIBI
PODE, SIM...(percebe) VOSSUNCÊ TÁ BEM? (tempo) É QUE... O FISCAL DA GAZETA PODE PASSAR POR AQUI E EU... É QUE ESSE BANCO NÃO É MEU! AQUI EU SÓ VENDO JORNAL.

ANTÔNIA
OH, NÃO, POR FAVOR! NÃO QUERO TE CAUSAR PROBLEMA!

GIBI
PODE FICAR, SENHORITA! É QUE EU FALO MUITO, SABE? VOSSUNCÊ NÃO LIGUE NÃO! EU FALO MUITO.

(tempo. A presença de ANTONIA torna-se algo incômodo, pelo silêncio dela., GIBI retorna aos clamores pela venda de jornal aos transeuntes)

GIBI
VAI UMA GAZETA AÍ, SEU MOÇO? Ô, SEU MOÇO! O MOÇO COMPROU ONTEM AQUI COMIGO, TÁ ALEMBRADO? (para outra pessoa) VAI UMA GAZETA AÍ, DOUTOR? O DOUTOR TÁ COM PRESSA! (olha para ANTONIA)

ANTONIA
QUAL O SEU NOME?

GIBI
MEU NOME É JOÃO ETELVINO. MAS TODO MUNDO AQUI ME CHAMA MESMO É DE “GIBI”.

ANTONIA
GIBI?

GIBI
É. GIBI. GIBI POR CAUSA QUE EU VENDO JORNAL AQUI, SABE? EU FICO GRITANDO ASSIM PRO POVO TODO: “QUER ‘A GAZETA’ AÍ? VAI LEVAR ‘A GAZETA’? E ‘O MALHO’? HOJE TÁ BOM!” (ri) O FISCAL DA GAZETA DIZ QUE EU TÔ É...”ANUNCIANDO”! (ri) BONITO, NÉ? “ANUNCIANDO”!...ATÉ ME ACHO IMPORTANTE!

ANTONIA
MAS VOSMECÊ É IMPORTANTE!

GIBI
(ri) EU FICO ATÉ SEM JEITO! IMPORTANTE, EU? POBRE DE MIM.

ANTONIA
VOSMECÊ SABE LER?

GIBI
NÃO.

ANTONIA
ENTÃO COMO É QUE VOSMECÊ SABE QUAL É A GAZETA?

GIBI
EU SOU ESPERTO, SABE? EU SEI POR CAUSA DO DESENHO! (pega um jornal) TÁ AQUI, Ó! ESSA AQUI É A GAZETA!..(tempo) OU NÃO É?

ANTONIA
CLARO QUE É!

GIBI
ENTÃO, VIU? E ASSIM EU PASSO O MEU DIA VENDENDO TUDO QUANTO É JORNAL AQUI, NESSE BANCO!

ANTONIA
QUE BOM, FICO FELIZ.

GIBI
DESCULPA PERGUNTÁ, MAS A SENHORITA TÁ ESPERANDO ALGUÉM?

ANTONIA
(para si) NÃO... EU NÃO ESTOU ESPERANDO NINGUÉM.

GIBI
AH. (tempo, volta a anunciar jornal) VAI UMA GAZETA AÍ, SEU PADRE? Ô, SEU PADRE...HOJE TÁ BOM...

(tempo)

ANTONIA
AQUI SEMPRE TEM SOMBRA, NÉ?

GIBI
NÃO, SENHORITA. NESSE BANCO, DE MANHÃ, PEGA MUITO SOL! E PÕE SOL, VIU? É SOL QUE NÃO ACABA MAIS! E QUANDO EU VENHO LÁ DO CORTIÇO, LOGO DE MANHÃ, BEM CEDINHO, QUE NEM SOL TEM, EU OLHO PRO CÉU! E AÍ VOSSUNCÊ OLHA PRO FIRMAMENTO ASSIM E DIZ: HOJE VAI FAZER SOL. E FAZ, VIU? MUITO SOL!

ANTONIA
SEI. (repentinamente, ANTONIA chora, respira, e depois se recompõe)

GIBI
EU FALEI ALGUMA COISA DE ERRADO, SENHORITA? OLHA, ME DESCULPA AÍ, VIU? ME DESCULPA DE CORAÇÃO! EU SOU MESMO IGNORANTE, UM BURRO, SABE?

ANTONIA
NÃO...NÃO FOI NADA DO QUE VOSMECÊ FALOU. ESTÁ TUDO BEM! É COISA MINHA, AQUI!

GIBI
É, PORQUE A GENTE FALA, FALA, O DIA INTEIRO A GENTE FALA PRA MODO DE VENDÊ JORNAL, VENDÊ GAZETA, SABE? E ASSIM A GENTE NÃO PERCEBE AS COISA QUE FALA. DESCULPA AÍ VIU?

ANTONIA
ESTÁ TUDO BEM. (impaciente) VOSMECÊ POR ACASO CONHECE AS PESSOAS AQUI, NA OUVIDOR?

GIBI
AH, MAS TODO MUNDO AQUI, VIU? TODO MUNDO! CONHEÇO UM POR UM, UMA POR UMA! SEI ATÉ QUEM NÃO É DAQUI DA CIDADE, SABE? (ri) TEM ATÉ OS MARINHEIRO GRADUADO... VEM ALEMÃO, VEM INGLÊS... GENTE DE TUDO QUANTO É JEITO, DO ESTRANGEIRO... ESSES SÓ NÃO COMPRA JORNAL AQUI COMIGO PORQUE NÃO ENTENDE AS LETRA! (ri) PARECE EU! (ri) BANDO DE BURRO! (ri)

ANTONIA
NÃO É ISSO NÃO...

GIBI
NÃO?

ANTONIA
EU IA PERGUNTAR SE VOSMECÊ CONHECE UMA CERTA PESSOA.

GIBI
SE EU CONHEÇO TODO MUNDO... PODE PERGUNTAR!


ANTONIA
É UM MOÇO.

GIBI
AH, ENTÃO A SENHORITA TÁ ESPERANDO ALGUÉM MESMO, NÉ?

ANTONIA
SIM... É UM ADVOGADO QUE TEM ESCRITÓRIO LOGO ALI, NA AVENIDA CENTRAL. ELE SEMPRE FREQUENTA A COLOMBO...

GIBI
A CONFEITARIA CHIQUE?

ANTONIA
É. (ri) VOSMECÊ CONHECE MESMO.

GIBI
SÓ NÃO ME CONVIDARAM PRA COMER LÁ NESSA TAL COLOMBO AÍ...

ANTONIA
(ri) ESSE MOÇO... (tom) EU ESTOU CARREGANDO UM FILHO DELE.

(tempo)

GIBI
COMO É QUE EU POSSO AJUDAR?

ANTONIA
EU SÓ PRECISO CONVERSAR COM ELE.

GIBI
EU CONHEÇO MUITA GENTE, MAS NÃO SEI QUEM TÁ PRENHE DE QUEM.

ANTONIA
(ri) ESQUECE O QUE EU DISSE. É COISA MINHA. SOU EU COM MINHAS SOMBRAS.

GIBI
SOMBRAS? AMANHÃ VAI FAZER SOL DE NOVO. FOI O QUE EU VI OLHANDO PRO CÉU. VAI TER SOMBRA POR ESSA HORA AQUI, TAMBÉM.

ANTONIA
EU PODERIA DEIXAR UM RECADO!

GIBI
PODE CONFIAR EM MIM, EU NÃO SEI LER! (ri, olha e berra para o entorno) EI, VAI UMA GAZETA AÍ? UM “MALHO”? UM JORNAL DO COMMÉRCIO?

ANTONIA
QUANTAS IGREJAS TÊM AQUI NO RIO?

GIBI
SEI NÃO, SENHORITA! TEM UM MONTE, AGORA, QUAL É QUAL, NÃO SEI ATINAR!

ANTONIA
E SE EU ESPERAR ESSE MOÇO PRA ME CASAR COM ELE NUMA IGREJA?


GIBI
A SENHORITA TÁ PERGUNTANDO ISSO PRA EU?

ANTONIA
EU POSSO ENFEITAR TUDO COM ROSA VERMELHA, BEM RUBRA, DA COR DOS CABELOS DA FILHINHA QUE VOU TER COM ELE.

GIBI
É MENINA, É?

ANTONIA
É. E VAI SE CHAMAR MARIA. PARA TER BASTANTE ESPERANÇA NESSA VIDA.

GIBI
QUE NEM NOSSA SENHORA?

ANTONIA
QUE NEM NOSSA SENHORA.

GIBI
EU ACHO QUE SEI DE UMA IGREJA DE NOSSA SENHORA...

ANTONIA
EU TAMBÉM SEI. UMA LINDA. EU IA SEMPRE COM MINHA MÃE E MEU PAI. E EU VOU ENFEITAR ELA COM ESSAS ROSAS VERMELHAS...VERMELHAS E BRANCAS...VAI SER UM DIA ENSOLARADO, QUE NEM HOJE, ASSIM.

GIBI
VOSSUNCÊ VAI ME CONVIDAR?

ANTONIA
CLARO! MAS O FISCAL DA GAZETA NÃO VAI BRIGAR COM VOSMECÊ?

GIBI
A GENTE DÁ UM JEITO. EU QUERO MUITO VER VOSSUNCÊ ASSIM, SORRINDO.

ANTONIA
EU ME CHAMO ANTONIA.

GIBI
EU NUNCA VI VOSSUNCÊ AQUI ANTES. POR QUÊ?

ANTONIA
EU NÃO SABIA QUE IA ME CASAR!

GIBI
E NEM QUE TAVA PRENHE DA MARIA.

ANTONIA
É. POR ISSO EU CAREÇO DA AJUDA DE VOSMECÊ.

GIBI
MAS NÃO SEI O QUE FAZER. EU SÓ VENDO JORNAL AQUI, MAIS NADA. NEM DESSA VIDA EU SEI.

ANTONIA
ELE, COM CERTEZA, VAI PASSAR AQUI, POR ESSE BANCO, VAI COMPRAR JORNAL, AINDA HOJE.

GIBI
E COMO ELE É?

ANTONIA
COMO ELE É? (sorri) ELE TEM O SORRISO DE UM ANJO. VOSMECÊ JÁ VIU UM ANJO, GIBI?

GIBI
UM ANJO? JÁ. NASCE MUITO LÁ NO CORTIÇO. TODO DIA.

ANTONIA
E ELE É ASSIM. UM ANJO. QUANDO VOCÊ ENXERGAR UM, ME AVISA.

GIBI
ELE TEM ASA?

ANTONIA
NÃO.

GIBI
ENTÃO FICA DIFÍCIL.

ANTONIA
(ri) ELE TEM UM JEITO DE FALAR... UM JEITO DE OLHAR PRA VOSMECÊ NOS OLHOS... UM JEITO DE TOCAR TUA MÃO QUE NINGUÉM MAIS TEM.

GIBI
VOSSUNCÊ É BONITA QUANDO RI. QUE PENA QUE EU SOU ASSIM, TÃO PEQUENO, TÃO NOVINHO... TÃO GIBI.

ANTONIA
ME AJUDA, VAI!

GIBI
E O QUE EU FAÇO? SAIO BERRANDO POR AÍ: “EI, TEM UM ANJO AÍ? TEM UM ANJO VOANDO AQUI NA RUA DO OUVIDOR?” VÃO DIZER QUE VARIEI DAS IDÉIAS.

ANTONIA
EU BERRO JUNTO COM VOSMECÊ!

GIBI
AÍ VOU PERDER MEU BANCO. ELE É MEU SUSTENTO, SENHORITA!


ANTONIA
MAS EU PRECISO ME CASAR!

GIBI
E EU PRECISO DO BANCO PRA VENDER JORNAL! OU VOSSUNCÊ NÃO TÁ VENDO?

ANTONIA
E VOSMECÊ NÃO QUER IR NO MEU CASAMENTO, NA IGREJA DE NOSSA SENHORA?

GIBI
QUERER EU QUERO, MAS NÃO SEI NEM POR ONDE COMEÇAR!

ANTONIA
PODE DIZER PRA ELE QUE EU MORRI, GIBI. VOSMECÊ DIZ ASSIM PRA ELE?

GIBI
DEUS ME LIVRE E GUARDE! EU NÃO SEI DIZER ESSAS COISAS, NÃO!

ANTONIA
VOSMECÊ PODE DIZER QUE ME CONHECEU, QUE ME ACHOU BONITA QUANDO EU DOU UMA RISADA.

GIBI
E VOU DIZER O QUÊ DA MARIA?

ANTONIA
QUE ELA VAI SER UMA MULHER LINDA, ASSIM COMO A MÃE DELA.
GIBI
VOSSUNCÊ TÁ ME METENDO MEDO.

ANTONIA
QUE VAMOS SER MUITO FELIZES JUNTOS.

GIBI
SEI.

ANTONIA
QUE ELE SEMPRE SERÁ UM ANJO EM MINHA VIDA. E TODO DIA BEM CEDINHO IRÁ ME ACORDAR E ME TRAZER UMA BANDEJA DE CAFÉ COM LEITE.

GIBI
NA COLOMBO?

ANTONIA
NA NOSSA CAMA. EU ESTAREI DEITADA, MEUS CABELOS SOLTOS. OS TRAVESSEIROS SERÃO FOFOS. A LUZ VAI ENTRAR MACIA, PELA JANELA, E VAI LEVANTAR UMA POEIRINHA BRANCA. E NOSSA FILHA VAI BRINCAR COM AS BONECAS TRAZIDAS DE PARIS, DE PORCELANA, COM VESTIDINHO ROSA. UM TOPEZINHO NO CABELO, TODO LOIRINHO.

GIBI
POSSO ATÉ VER.

ANTONIA
DIZ PRA ELE QUE EU AMEI ELE MUITO. QUE EU ESPEREI ELE NA PORTA DA IGREJA DE NOSSA SENHORA. ESSA MESMA, TODA DECORADA DE ROSAS VERMELHAS, TODA BONITA. E EU PRECISO IR AGORA. ANTES QUE ACABE A SOMBRA.

GIBI
A SOMBRA CONTINUA, SENHORITA. ATÉ À NOITINHA. MAS ATÉ LÁ EU JÁ VOLTEI PRO CORTIÇO, ONDE TEM ANJO NASCENDO TODO DIA.

ANTONIA
GIBI, ME PROMETE QUE VOSMECÊ VAI FALAR DE MIM PRA ELE, PROMETE?

GIBI
PRO ANJO?

ANTONIA
É. PRA QUANDO VOSMECÊ VER ELE POR AQUI, COMPRANDO JORNAL CONTIGO. DIZ TUDO ISSO QUE EU FALEI, QUE EU SINTO POR ELE.

GIBI
A SENHORITA VOLTA AMANHÃ?

ANTONIA
VOLTO. QUEM SABE VOSMECÊ ME VÊ NA PÁGINA DO JORNAL?

GIBI
EU NÃO SEI LER, TÁ ALEMBRADA?

ANTONIA
MELHOR ASSIM, GIBI. (ela o beija na testa) ME VOU, AGORA. (sai na penumbra)

GIBI
(olha em volta)
QUEM VAI QUERER? TEM “O MALHO”, TEM A GAZETA, TEM JORNAL DO COMMERCIO, TEM TICO-TICO! Ô, MOÇO! LEVA AÍ! LEVA AÍ, MOÇO!

(luz em resistência)

FIM
O texto acima está protegido pelas Leis brasileiras de Direito Autoral. É obrigatório que se solicite permissão para ser montado. Não fazê-lo será passível de ações legais. Para solicitação, falar com os autores pelo e-mail: jobimneto.ruy@gmail.com

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